
Sinceramente, se eu fosse o tal
Daniel Radcliff ia ficar chateado com o cartaz de "
A Mulher de Preto".
Dizem que o ator escolheu esse filme para fugir do personagem que
lançou seu nome para a fama e estrelato, mas é claro, algum gaiato tinha
que colocar em letras garrafais a frase: "
Um filme com o ator de Harry Potter" em destaque.
Em
letras bem menores, no entanto, está a informação que realmente importa
para os fãs do horror: "A Mulher de Preto" é um filme produzido pela
Hammer Films.
Para
quem não sabe do que estou falando, a Hammer Films talvez seja um dos
mais icônicos estúdios britânicos. Entre os anos 50 e 70 ele se
notabilizou por produzir alguns dos melhores filmes de horror do
período. A especialidade da Hammer eram os filmes de monstros clássicos
como
Drácula (vivido por
Christopher Lee) e
Frankenstein (onde o cientista que criava o monstro era quase sempre
Peter Cushing). Embora o carro chefe fossem Drácula e Frankenstein eles fizeram muitos outros clássicos de terror gótico.

O
ápice da Hammer foi a década de 60, época em que seus filmes atraíam
multidões aos cinemas. Nos anos 70, o estúdio ainda conseguiu emplacar
alguns filmes razoáveis, mas a decadência já começava a se instalar e
produções meia-boca decretaram sua ruína financeira. No início dos anos
80, a Hammer já tinha sumido do mapa.
Em 2007, a Hammer ressurgiu
após quase três décadas. O estúdio foi comprado e a marca trazida de
volta do limbo. Depois de algumas produções com altos e baixos (como a
refilmagem do filme sueco de vampiros "
Deixe ela entrar"),
o legendário estúdio decidiu retornar ao gênero em que fez história. "A
Mulher de Preto" é o primeiro filme da Hammer fiel a sua biografia de
Horror Gótico.
Com tanto em jogo, o que esperar?
Duas palavras definem bem esse filme: atmosfera e refinamento.

A
Mulher de Preto é um filme de horror como se fazia antigamente, boa
parte do filme parece ser uma homenagem aos antigos filmes de casa
assombrada e fantasmas. Ele nos poupa de sustos baratos, efeitos
digitais mirabolantes e banhos de sangue. O horror que ele conjura está
nas entrelinhas, nos longos trechos em silêncio e nas expressões
agoniadas dos personagens. Nada do que acontece na tela é gratuito, tudo
é bem ponderado e executado. Trata-se de um filme de fantasmas e
assombrações que remete aos contos de
Edgar Allan Poe e
Sheridan LeFanu, decanos do horror vitoriano.
Radcliff
faz o papel de Arthur Kipps, um advogado viúvo que no início do século
XX é contratado para viajar até o remoto vilarejo de Crythin Gifford na
Inglaterra e descobrir se uma mulher deixou algum testamento ou herdeiro
para seus bens. É a última chance de Kipps manter seu emprego, conforme
avisa seu patrão e ele precisa superar a morte da mulher para o bem de
seu filho. A viagem até o povoado é bastante similar a do personagem
Jonathan Harker no Drácula de
Bran Stoker. Ambientes bucólicos no interior da Inglaterra sempre parecem apavorantes e esse não é diferente.
Alguma
coisa não parece certa na cidadezinha e seus habitantes só querer que o
forasteiro vá embora e os deixe em paz. Logo ele descobre que a
relutância dos moradores tem a ver com as mortes de várias crianças e
com um espectro macabro culpado pela tragédia que aflige as famílias: é a
tal Mulher de Preto.
A medida que vai bisbilhotando à respeito
do mistério, outras perguntas vão surgindo. Quem era a tal mulher
misteriosa? Qual a sua relação com o povo da cidade? E o que aconteceu
em seu passado que causou tanto sofrimento?

As
respostas se encontram na velha mansão que fica no meio de um pântano
pra lá de traiçoeiro. O único acesso até o casarão é através de uma
estrada engolida quando a maré está alta -- um recurso muito inteligente
para salientar o isolamento da propriedade, existindo quase em outra
realidade. Quando as estradas fecham, ninguém entra e principalmente
ninguém sai.
Enquanto explora a
assustadora mansão, uma figura sombria parece observar o advogado. É o
tipo de situação bem comum em filmes de terror, mas isso não significa
que o roteiro seja previsível. A bem da verdade, o filme se propõe a
prestar uma homenagem a elementos clássicos do gênero: o isolamento, a
sensação de estar sendo observado, os sussurros e batidas, a cadeira de
balanço se movendo sozinha, as sepulturas recentes, os brinquedos
sinistros, o nevoeiro impenetrável... nada disso é novo, mas a forma que
essas coisas são usadas reforçam os elementos narrativos e deixam uma
sensação de deja vu.
Bons filmes de horror na minha opinião
precisam construir uma trama que mantenha o espectador em suspense à
medida que os segredos vão sendo mostrados. A Mulher de Preto consegue
criar interesse colocando o espectador na perspectiva do personagem
principal. Enquanto Kipps investiga a casa assombrada, a câmera o segue
para todo o lado e nós vemos exatamente o que ele vê. A inquietante
impressão que alguma coisa está observando é transferida para nós.
Trata-se de um filme que se esforça em criar uma atmosfera propícia ao
suspense e a partir dele envolve o público.

O
elenco é bem equilibrado e correto. Com uma atuação surpreendentemente
madura, Radcliff consegue convencer como um sujeito amargurado e
dividido entre o dever profissional e a obrigação familiar. Embora seja
difícil desassociá-lo imediatamente de Harry Potter e aceitá-lo como o
pai de um garotinho, ele merece elogios pela tentativa de fazer algo
diferente. O restante do elenco dá um excelente apoio, sobretudo
Ciáran Hinds
um daqueles coadjuvantes de luxo que quase sempre roubam a cena. No
papel de um sujeito afetado pela tragédia e cuja família ainda sofre com
o choque da morte de um ente querido, ele concede dignidade ao seu
personagem, o único na cidade a ajudar o forasteiro a ir até o fim em
busca da verdade.
O final amarra perfeitamente uma narrativa angustiante sobre uma vingança cujo fogo não se apaga.
Com
uma bela reconstituição de época, figurino impecável e uma música
evocativa, a Mulher de Negro é um filme capaz de surpreender. Sem dúvida
ele vai deixar um sorriso na face daqueles que gostam de histórias de
fantasmas como se fazia nos velhos tempos.
Nos tempos da Hammer.